06/08/2015

Ecos



Boa noite meus amigos, gostaria de aproveitar o momento para apresentar a vocês um conto de autoria minha, espero que gostem.




   Amanda se encosta no sofá, esta cansada, sua profissão de professora lhe cobra o suficiente para que tanto seu corpo quanto sua mente estejam exaustos ao fim do dia.
Ela realmente ama aquilo que faz, e não pode reclamar de seus atuais alunos, todos educados e disciplinados, tão diferentes daqueles do ano passado, onde chegou a ser vítima de perseguição e vandalismo. Ainda se pode perceber um quase ilegível arranhado na porta do carro com a palavra “Vaca”.
Ela se estica toda, e pega o controle do aparelho de som na mesa de centro da sala, aperta alguns poucos botões e começa no ambiente o som das músicas que ela chama de “Musicas para relaxar”. O disco com uma coletânea de canções antigas da Europa, nas décadas de trinta e quarenta.
Esforça-se mais um pouco e pega o jornal da tarde, começa a folheá-lo, passa pela página política, esportes, e quando chega aos classificados ela se depara com o anúncio de venda de um imóvel, ela olha demoradamente a foto e sua mente é levada para uma época um tanto distante em sua cabeça, a respiração fica um pouco acelerada por força das lembranças de fatos que preferia não rever, mas que não consegue esquecer.


Com quinze anos Amanda era inocente e feliz, sua família sempre gozou de um status econômico invejável e ela era cercada por regalias e privilegiada, por ser uma filha única de um casal relativamente jovem e bastante rico.

Ela se lembra da fatídica noite de setembro, no fim dos anos 90.

Percebendo que o próximo dia será cheio a pequena adolescente se recolhe bem cedo, eram por volta de oito da noite de domingo e ela já estava em seu quarto. Não era de seu feitio dormir cedo, mas a segunda estava lhe deixando muito ansiosa, haverá uma espécie de baile de comemoração para o aniversario da escola, onde tem a chance de ter seu primeiro encontro com Rinaldo, o rapaz de quem ela é afim desde seus doze anos.
São duas da manhã e a noite esta anormalmente fria, e uma sede insistente a obriga a descer, mesmo contrariada. Não gostava de ter que descer as escadas para pegar água na cozinha, mas acaba de descobrir que (certamente) seu Pai havia tomado toda água da jarra que eles sempre deixam na sala de estar, certa vez seu pai prometeu comprar um bebedouro para colocar no andar superior, um desses bebedouros elétricos que refrigera a água para as noites mais quentes, mas obviamente ele não comprou, é sempre muito enrolado.
Amanda brinca sempre que ele deveria ser político e não empresário. Mas isso não muda o fato de ela ter que descer ate o térreo para beber água.
As escadas parecem bem maiores e as luzes que acendem parecem bem mais fracas, e ela finalmente chega ate o térreo da casa. A escuridão só não domina todo o local, pois a luz fraca que vem da rua entra pela grande janela, mas antes estivesse tudo escuro, a luz lúgubre projetava sombras impossíveis na parede assustando Amanda a cada dois passos, ate ela chegar ao interruptor, acionando-o e enchendo a sala de jantar de uma forte luz que faz os olhos arder. Ela sorri por ser tão medrosa um pouco mais tranquila, enfim ela pode saciar sua sede.
De repente ela é atingida por uma lufada de ar gelado, instintivamente ela se vira para a janela onde percebe que está fechada, se aproxima um pouco quando ela pode ouvir uma cantiga de roda, confere o relógio e descobre que são quase três da manhã, quem brincaria de Ciranda a esta hora? Olha pela janela, e percebe uma densa neblina vermelha e mais a frente quatro vultos pequenos rodopiam em uma dança louca. A impossibilidade da cena deixa Amanda perplexa, ela sente um misto de medo e curiosidade, e sem nem se dar conta ela já estava do lado de fora da casa.
Sente um cheiro forte de sangue, e quando o ar úmido da noite molha seus lábios ela pode perceber que esta névoa vermelha não é composta de água e sim de sangue, o sabor deixa uma sensação de ferrugem na boca, e de tão forte chega a ser nauseante, mas, mesmo assim, ela caminha em direção ao vulto das crianças agora facilmente visíveis.
O pijama branco de Amanda agora está rosado, manchado com o sangue que impregnara o ar, fazendo-o denso quase palpável, a visão é turva, mas não impede que as figuras das crianças se tornem nítidas.
Ela caminha para o outro lado da rua, uma praça, onde ela costuma brincar, correr, andar de bicicleta. Mas agora não consegue entender, é como se ela não conhecesse o lugar, as árvores banhadas em sangue, era o cenário mais bizarro e aterrorizante que ela já havia visto. E conforme ela aproxima a ciranda se torna mais intensa.
Diante da estátua do fundador da cidade (que agora está com a cabeça cortada) quatro pequenas crianças brincam sem se importarem com a presença de Amanda, elas correm em roda, de mãos dadas, cantando uma música que Amanda não se lembra. Elas estão banhadas com este sangue do ar, seus longos cabelos agora gotejam sangue, seus rostos estão disformes pelo sangue espalhado. E a música acaba no exato momento que as quatro olham para Amanda simultaneamente.



Ela acorda em seu sofá com o jornal aberto nos classificados, suando muito, e ofegante, seu corpo dói e seus lábios têm sabor de ferrugem, como naquela noite.
Já no banho, era como se sentisse o sangue pousando na pele e secando. Ela se lembra que quando a prefeitura da Cidade resolveu destruir a praça, para fazer um mercado, foram encontrados exatamente quatro corpos de meninas todas com sete anos de idade, enterrados abaixo da estátua do fundador da cidade. Elas haviam sido mortas por um antigo morador, isso muito antes dela mesma ter nascido.
Ela jamais contou o fato para ninguém.


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