Boa noite meus amigos, gostaria de aproveitar o momento para apresentar a vocês um conto de autoria minha, espero que gostem.
Amanda se encosta no sofá, esta cansada, sua profissão de
professora lhe cobra o suficiente para que tanto seu corpo quanto sua
mente estejam exaustos ao fim do dia.
Ela realmente ama aquilo que faz, e não pode reclamar de seus
atuais alunos, todos educados e disciplinados, tão diferentes
daqueles do ano passado, onde chegou a ser vítima de perseguição e
vandalismo. Ainda se pode perceber um quase ilegível arranhado na
porta do carro com a palavra “Vaca”.
Ela se estica toda, e pega o controle do aparelho de som na mesa de
centro da sala, aperta alguns poucos botões e começa no ambiente o
som das músicas que ela chama de “Musicas para relaxar”. O disco
com uma coletânea de canções antigas da Europa, nas décadas de
trinta e quarenta.
Esforça-se mais um pouco e pega o jornal da tarde, começa a
folheá-lo, passa pela página política, esportes, e quando chega
aos classificados ela se depara com o anúncio de venda de um imóvel,
ela olha demoradamente a foto e sua mente é levada para uma época
um tanto distante em sua cabeça, a respiração fica um pouco
acelerada por força das lembranças de fatos que preferia não
rever, mas que não consegue esquecer.
Com quinze anos Amanda era inocente e feliz, sua família sempre
gozou de um status econômico invejável e ela era cercada por
regalias e privilegiada, por ser uma filha única de um casal
relativamente jovem e bastante rico.
Ela se lembra da fatídica noite de setembro, no fim dos anos 90.
Percebendo que o próximo dia será cheio a pequena adolescente se
recolhe bem cedo, eram por volta de oito da noite de domingo e ela já
estava em seu quarto. Não era de seu feitio dormir cedo, mas a
segunda estava lhe deixando muito ansiosa, haverá uma espécie de
baile de comemoração para o aniversario da escola, onde tem a
chance de ter seu primeiro encontro com Rinaldo, o rapaz de quem ela
é afim desde seus doze anos.
São duas da manhã e a noite esta anormalmente fria, e uma sede
insistente a obriga a descer, mesmo contrariada. Não gostava de ter
que descer as escadas para pegar água na cozinha, mas acaba de
descobrir que (certamente) seu Pai havia tomado toda água da jarra
que eles sempre deixam na sala de estar, certa vez seu pai prometeu
comprar um bebedouro para colocar no andar superior, um desses
bebedouros elétricos que refrigera a água para as noites mais
quentes, mas obviamente ele não comprou, é sempre muito enrolado.
Amanda brinca sempre que ele deveria ser político e não
empresário. Mas isso não muda o fato de ela ter que descer ate o
térreo para beber água.
As escadas parecem bem maiores e as luzes que acendem parecem bem
mais fracas, e ela finalmente chega ate o térreo da casa. A
escuridão só não domina todo o local, pois a luz fraca que vem da
rua entra pela grande janela, mas antes estivesse tudo escuro, a luz
lúgubre projetava sombras impossíveis na parede assustando Amanda a
cada dois passos, ate ela chegar ao interruptor, acionando-o e
enchendo a sala de jantar de uma forte luz que faz os olhos arder.
Ela sorri por ser tão medrosa um pouco mais tranquila, enfim ela
pode saciar sua sede.
De repente ela é atingida por uma lufada de ar gelado,
instintivamente ela se vira para a janela onde percebe que está
fechada, se aproxima um pouco quando ela pode ouvir uma cantiga de
roda, confere o relógio e descobre que são quase três da manhã,
quem brincaria de Ciranda a esta hora? Olha pela janela, e percebe
uma densa neblina vermelha e mais a frente quatro vultos pequenos
rodopiam em uma dança louca. A impossibilidade da cena deixa Amanda
perplexa, ela sente um misto de medo e curiosidade, e sem nem se dar
conta ela já estava do lado de fora da casa.
Sente um cheiro forte de sangue, e quando o ar úmido da noite molha
seus lábios ela pode perceber que esta névoa vermelha não é
composta de água e sim de sangue, o sabor deixa uma sensação de
ferrugem na boca, e de tão forte chega a ser nauseante, mas, mesmo
assim, ela caminha em direção ao vulto das crianças agora
facilmente visíveis.
O pijama branco de Amanda agora está rosado, manchado com o sangue
que impregnara o ar, fazendo-o denso quase palpável, a visão é
turva, mas não impede que as figuras das crianças se tornem
nítidas.
Ela caminha para o outro lado da rua, uma praça, onde ela costuma
brincar, correr, andar de bicicleta. Mas agora não consegue
entender, é como se ela não conhecesse o lugar, as árvores
banhadas em sangue, era o cenário mais bizarro e aterrorizante que
ela já havia visto. E conforme ela aproxima a ciranda se torna mais
intensa.
Diante da estátua do fundador da cidade (que agora está com a
cabeça cortada) quatro pequenas crianças brincam sem se importarem
com a presença de Amanda, elas correm em roda, de mãos dadas,
cantando uma música que Amanda não se lembra. Elas estão banhadas
com este sangue do ar, seus longos cabelos agora gotejam sangue, seus
rostos estão disformes pelo sangue espalhado. E a música acaba no
exato momento que as quatro olham para Amanda simultaneamente.
Ela acorda em seu sofá com o jornal aberto nos classificados,
suando muito, e ofegante, seu corpo dói e seus lábios têm sabor de
ferrugem, como naquela noite.
Já no banho, era como se sentisse o sangue pousando na pele e
secando. Ela se lembra que quando a prefeitura da Cidade resolveu
destruir a praça, para fazer um mercado, foram encontrados
exatamente quatro corpos de meninas todas com sete anos de idade,
enterrados abaixo da estátua do fundador da cidade. Elas haviam sido
mortas por um antigo morador, isso muito antes dela mesma ter
nascido.
Ela jamais contou o fato para ninguém.
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